Resgate da ribeira Seca – XIV

 



Resgate da ribeira Seca – XIV


Tal como a ribeira Grande, a ribeira Seca desagua no areal do Monte Verde. [1] Distingue-se

(porém) daquela outra, por ser mais pequena, não ter caudal permanente (por isso não lhe fazem

análises à qualidade das suas águas) e por pertencer a uma (espécie de) sub-bacia hidrográfica

da bacia hidrográfica da Ribeira Grande. [2] E por ter ainda (alguma) vida própria. Uma semana

antes e duas depois da cheia de três de Junho último que inundou o centro da Cidade, a ribeira

Seca inundou o Monte Verde com milhares de canas, toneladas de pedra-pomes, plásticos, lama

e o que só o laboratório poderá identificar. Enquanto isso, a ribeira Grande corria mansa.

[3] Apesar das diferenças, ambas são vítimas de descargas ilegais provenientes de meia dúzia de

agro-industriais e de um número assinalável de efluentes domésticos. Não custa (assim)

perceber que, sem o seu resgate (mais o da vala dos moinhos da Condessa) não haverá resgate

ambiental possível do Areal do Monte Verde. Nem se obterá qualquer melhoria (sensível) na

qualidade de vida dos residentes da Cidade da Ribeira Grande. Foi (como tem sido uso) na sua

foz que se realizou (de 8 a 10 de Agosto de 2024) a 10ª edição do Festival do Monte Verde.

Não fora uma nova contaminação, e em Junho aquela praia teria sido palco de mais uma etapa

do Nacional de Surf.

Terá sido a ribeira Seca sempre (assim tão) seca? [4] Frutuoso que chegou à Ribeira Grande

em 1565 e começou a trabalhar na escrita de as Saudades da Terra  (ao que dizem os

especialistas) duas décadas depois, apresenta duas versões (que apesar de aparentarem

diferenças, não se excluem). Numa diz que só tem água ‘de enchente no Inverno.’ Noutra

que ‘por não chegar a água que por ela desce abaixo ao mar e secar de todo no Verão, ainda

que algumas vezes traga enchente no Inverno.’ Acho que se pode concluir que apesar de nem

sempre chegar água à foz e a ribeira secar no verão, a segunda versão prova a existência de água

naquela ribeira além da que chega nas enchentes de Inverno. Essa é a única maneira de se

entender que em tempos tenha havido um moinho de água naquela ribeira. E é (também)

Frutuoso quem o diz. Tendo os moradores da Vila da Ribeira Grande sido forçados a abandonar

as suas casas por causa da peste de 1526/7, ‘os que se acolheram para a banda do poente

fizeram [um moinho] na Ribeira Seca.’ Ora, para que um moinho de água funcione, necessita de

dispor de água na medida certa: nem torrencial, que arruinaria os seus mecanismos, nem uma

pinguinha, que não faria andar as suas mós. [5]  Certo? [6]

Com a crise de 1563/4, a geografia da ribeira Seca (e a da ribeira Grande) sofreu

consideráveis alterações. [7] Vejamos: ‘correram por ambas estas ribeiras [Seca e

Grande] muitas pedras e areia que tomaram por grande espaço posse do mar e o afastaram da

vila (…).’ Resulta daí que ‘(…) se fez um areal tão comprido que, começando da dita vila, vai

passando pela Ribeira Seca (…) até se acabar no Morro (…).’ Foram as nascentes alteradas


com a catástrofe?   ‘(…) Com o terramoto (…) abriram comissuras e veias de pedra hume e

enxofre, que infeccionaram e corromperam a dita água, que agora é grossa e cheira a lodo

(…).’ Terá a mesma alterado o trajecto da ribeira? [8]  ‘Começou (…) a correr (…) uma

ribeira de fogo pela Ribeira Seca [9]  abaixo até chegar ao mar (…) fazendo grande estrondo

quando entrou no mar, onde fez um grande cais ou ilhéu de penedia, ficando, ali, e por toda a

ribeira acima um bravo biscoutal (…).’ [10] Não teriam (por isso) as agora ruas dos Lagos e do

Biscoito (no enfiamento actual do percurso daquela ribeira) sido outrora parte do curso pré

1563/64 da ribeira? [11]

Apesar da profunda destruição de 1563/4, em 1576, uns meros treze anos depois, a ermida

de São Pedro que havia sido – diz Frutuoso -, totalmente arrasada, foi feita paróquia

independente da paróquia a que até então pertencera: Nossa Senhora da Estrela. [12]  Um século

após essa elevação, em 1667 sobreveio uma nova cheia. Poderosa, causou pesados danos ao

coração da Vila e ao seu termo da Ribeira Seca. [13]  O Vigário da paroquial igreja de São Pedro

(da Ribeira Seca) João de Sousa Freire é quem fez a crónica do acontecimento (ao

pormenor). [14]  Vou (por ser inédito) alongar-me (um nadinha) nas transcrições: ‘Em os nove

dias do mês de Setembro de 1667 às 9 horas [da manhã, di-lo mais à frente] do dia sucedeu

chover nesta Ilha, e principalmente nesta Ribeira Grande e Seca por espaço de duas horas para

três horas com tempestade do Norte, e daí correndo a outros ventos em o dito espaço, pouco

mais ou menos tanta quantidade de água que fez a cheia maior das duas ribeiras (…). [15]  De

sorte que as duas ribeira Grande e Seca encheram de tal sorte as concavidades de seu

costumado curso e caminho, que vencendo as muralhas das alcantiladas rochas, que prendiam

a furiosa corrente de suas águas para não serem nocivas, redundaram de tal maneira que

alagaram muitas ruas de casas, que se lhes avizinhavam mais (que um mau vizinho nunca foi de

utilidade) foi tanto o dano que padeceram os vizinhos destas sobreditas ribeiras, que não só se

perderam muitas casas, umas quase totalmente levaram ao mar com a fúria e abundância de

sua corrente como foram nesta freguesia quatro, em uma das quais pereceram o pai e mãe com

quatro filhos que todos foram ao mar e se acharam na praia mortos excepto o pai que nem vivo

nem morto até hoje apareceu (…).’ [16]  Será que o curso da ribeira mudou (pouco ou muito)? E

as nascentes? Em 1848: ‘Estragos causados por chuvas torrenciais no concelho da Ribeira

Grande. Na Ribeira Seca desabaram pontes, ficaram arruinadas quintas, muitas casas e

quintais.’ [17]  Em 1919, a tremenda cheia de 9 de Agosto que provocou danos imensos na Vila,

ainda que em menor escala, fez alguns estragos na Ribeira Seca, onde ‘(…) foram destruídos

muitos terrenos e quintas, situadas nas margens da ribeira e desmoronadas três casas. A água

destruiu em grande parte a ponte da canada Nova, arrebatando os lavadouros públicos que

junta dela existiam, bem como as escadas que davam para a ribeira. Os parapeitos da ponte


que fica junto da casa do Sr. Gabriel da Silva Melo, foram também derrubados.’ [18]  Fiquemos

(por ora) por aqui.

Assim, quem vir hoje a ribeira Seca, assim tão seca, andará bem longe de imaginar o mal que

tem causado (e poderá vir de futuro a causar, caso não se ponha cobro a gravíssimos problemas

ambientais). Em 1997, a água dos poços geotérmicos até então simplesmente despejada (sem

mais contemplações) na ribeira da Cruz (daí chegando à ribeira Seca) e desaguando no Monte

Verde, segundo fonte oficial da empresa, passa a ser reinjectada. [19]  Menos um problema. Logo

outro se seguiu. Em 1998, nova cheia. Com efeitos graves para a Ribeira Seca (que era já parte

da Cidade desde 1981): ‘onde uma ponte demasiado baixa em conjunto com dezenas de troncos

de árvores acabou por formar uma autêntica barragem.’ ‘O nível das águas subiu dois metros

destruindo o rés-do-chão de dezenas habitações e elevados danos materiais (…).’ [20]  Em 2004,

mais outra (e como sempre tanto na ribeira Seca como na Grande): ‘(…) Três casas da

freguesia da Ribeira Seca, foram afectadas pela ribeira, que transbordou e, na rua da Ribeira,

Matriz, quatro casas ficaram inundadas. Também a zona envolvente à Câmara Municipal (…)

ficou inundada (…).’ [21]  Em 2013, ‘(…) inundação de 15 habitações.’ [22]  Segundo o jornal

Açoriano Oriental, ‘o caudal da Ribeira do Vilão assumiu proporções dantescas, ampliadas

pela quantidade de entulho e troncos de madeira que ficaram presos na guarda da ponte da

Rua do Mourato, formando um autêntico dique. A situação só foi resolvida com a destruição

das guardas pelos moradores e bombeiros.’ [23]  José Gabriel, antigo comandante dos

Bombeiros Voluntários da Ribeira Grande, ‘não poupou criticas à falta de limpeza da

ribeira,’ declarando haver denunciado ‘o caso às várias autoridades, desde a Junta de

Freguesia até ao Governo Regional, mas que nunca obteve uma resposta satisfatória.’ Segundo

o jornal Diário dos Açores, o Director Regional do Ambiente [o PS governava a Região –

claramente para serenar os ânimos] já dera ‘instruções para avançar de imediato o processo de

construção de uma bacia de retenção.’ A reunião do dia 5 de Março da vereação da Ribeira

Grande foi rica e agitada. Rui Maré, vereador da minoria eleito pelo PSD, natural da Ribeira

Seca, quis saber quem deveria ‘assumir a responsabilidade da limpeza das ribeiras?’ Fernando

Sousa, vereador da maioria PS, sendo engenheiro agrónomo de profissão, esclareceu os

colegas:  ‘a responsabilidade [é] dos municípios [nas] linhas de água em aglomerados urbanos,

num perímetro que julga (…) ser de 50 metros.’ Quanto a ele, porém, ‘o verdadeiro [e

mais] importante cuidado reside a montante das ribeiras, ou seja, a limpeza de todos os

materiais que possam ser arrastados pela água, tornando um fluxo de lama e restos de

madeiras (por exemplo), que devido à sua fluidez atingem velocidades e uma força demolidora,

impossível de controlar a jusante.’ Portanto, responsabilidade da Região. Filomeno Gouveia,

outro vereador da minoria PSD, que fora vice-Presidente na anterior vereação PSD, afirmou que

vinha alertando ‘depois das cheias que houve em 1998’ para ‘a necessidade de se executar um


poço absorvente na zona da Mãe de Deus, cuja obra [repare-se] ficara de ser feita pelo

Governo Regional [do PS que agora se apressava a anunciar a sua realização].’ ‘Disse ainda

que, há anos atrás, havia um programa sazonal, de Outubro a Março, com uma equipa de 150

trabalhadores rurais que, em coordenação com as juntas de freguesia, faziam a limpeza de

taludes e dos leitos das ribeiras, e que se deveria continuar com programas deste género.’ Isso

na área da responsabilidade dos municípios. Apesar da falta civismo de madeireiros e de

lavradores, como corria e corre, ainda assim fora possível ‘evitar males maiores.’ [24]  Coisa

rara, foi a decisão final unânime tomada pela vereação (PS e PSD). Decidiram solicitar medidas

ao Governo Regional. Quais? ‘promover a execução do poço absorvente na zona da Mãe de

Deus e criar a montante das Scut´s condições para evitar cheias; fiscalização mais assídua e

rigorosa a montante das ribeiras, sobre os trabalhos de limpeza e de desobstrução que possam

criar obstáculos ao escoamento normal dos cursos de água; criação de um Gabinete

vocacionado para resolver, no imediato, todos os problemas relacionados com este tipo de

estragos.’ O que foi feito? Para além do habitual teatro político, pouco ou nada. Por que será

que se tarda em atacar a origem do problema? A primeira dificuldade reside no facto de os

potenciais parceiros na solução dos problemas em vez de dialogarem estão de costas voltadas e

daí ‘vão empurrando a responsabilidade para cima uns dos outros.’ [25]  O que facilita abusos.

E a não resolução do problema. Que conheça, não há prova, não há condenação, mas há muito

fumo, pelo que haverá fogo. Como compreender que se tenha autorizasse (e que essa se

mantenha apesar das consequências) a instalação de explorações agro-pecuárias em locais

sensíveis junto (ou próximo) às linhas de água das ribeiras Grande e Seca (e suas bacias), sem

que tenha havido negligência ou dolo público? Há medo. Muito. De atacar interesses instalados.

Cheira a cumplicidade entre privados e entidades públicas. Trocas (e baldrocas)

eleitorais. [26]  Para não falar de incompetência (deliberada ou não). E a continuação de

descargas ilegais de moradias? Um pouco pelas mesmas razões. Hoje a questão vai muito para

além de se manter a ribeira livre de obstáculos físicos, vai à própria qualidade da água (das

ribeiras e levadas) que condiciona a qualidade da água balnear (e da água da torneira). Para

orientar as decisões a tomar, são necessárias análises regulares, partilhando os seus resultados

com o público e a comunidade científica: [27]  ‘Os cidadãos devem estar informados dia-a-dia,

hora-a-hora, segundo a associação ‘Zero.’ E de capital importância: ‘Essa informação deve

estar disponibilizada no Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos.’ [28]  Sucede

que, tais dados há mais de um ano não estavam disponíveis. Acusaram os ambientalistas

Zero. [29]  Denúncia feita e resposta rápida das entidades, já lá estão. [30]  Nem levou dois dias,

se calhar. Agora, sem pôr de lado as análises, há que dar o passo seguinte. Qual? Com menos

engenharia e mais ordenamento do território (a montante e a jusante), pois as ‘alterações

climáticas não se combatem com obras de engenharia, mas com ordenamento do território e

plantação de árvores.’ [31]  É o que propõe (e eu aplaudo) Teófilo de Braga. Nada disso (porém)


produzirá resultados, se não houver vontade de resolver a questão. Vontade (e entendimento) de

quem? Dos directamente interessados: em primeiro lugar, da martirizada população residente,

depois, das indústrias, incluindo a turística, da produção, das entidades públicas (Autarquias,

Governo Regional) e das associações ambientais. [32]  As cheias (apesar de tudo) irão continuar.

Controladas são (como sempre foram) uma fonte de riqueza. É a história que o diz. Mas os seus

efeitos poderão (como devem) ser atenuados. O que irá desaparecer (ou diminuir) é a

contaminação orgânica e química das águas. Antes que seja tarde. A terminar. A foz da ribeira

Seca irá ter (se for para a frente) um tratamento especial (zona ajardinada) dentro do Plano

destinado em exclusivo ao Monte Verde (Unidade de Execução do Monte Verde). E a

montante? Por que não ir da foz à ponte do Mourato? E da ponte da rua do Balcão à ponte da

Grota? Por que não pedir ideias a um arquitecto. A Câmara já o fez em Julho de 2021, para ‘a

requalificação da ribeira que atravessa a cidade (…). [33] A ribeira Seca, mesmo comparando-a

com a ribeira da Ribeirinha (que já tem o lindo troço da avenida), é das três ribeiras da cidade da

Ribeira Grande, a mais atrasada (urbanisticamente).

Pedra da água mole em pedra dura tanto bate até que fura - (Cidade da Ribeira Grande)

(continua)


[1]  A primeira na Matriz, a segunda, na Conceição. Aliás, pouco depois da ponte sobre a Avenida das Cavalhadas, a ribeira curva para a Conceição. Só

é ribeira Seca a partir da Grota da Mãe de Deus, onde entra a ribeira do Vilão. Nas imediações do Parque industrial, já se haviam juntado as ribeiras do

Espigão, da Cruz e do Tio Pedro.

[2]  Não sei se os especialistas concordarão com esta minha definição.

[3]  Fui disso testemunho presencial.

[4]  Segundo vi e fui informado (Hermano Cordeiro, Fernando Cordeiro, João Luís Silva Melo, João Senica): Ordenha fixa de Luís Furna nas Cancelas

do André; extracção de areia do tufo de José do Couto – água da rega da Barrosa; vacaria de João Vieira; Insulac (o problema está aparentemente

resolvido); Criação de Porcos de Pedro Almeida; Bairro da Quietação; da ponte da Grota à da rua do Balcão (quase todas as casas têm tubos para a

ribeira); desta última à da rua do Mourato (idem); da do Mourato à da Variante (idem); desta à foz (idem). Abrange as ruas da rua Direita de Cima, Dr.

Hermano Mota, Madre Teresa, Balcão, Biscoito, rua do Saco. E muita atenção ao Areal de Santa Bárbara ali ao lado. Não creio que escape. Falei com

gente que me confessou ter ido fazer queixa mas que nada foi feito; outros não o fizeram nem irão fazer porque não se querem dar mal com os vizinhos

ou com tal fulano que tem muitos conhecimentos. Outros, até, que o fazem e não vêem nenhuma mal nisso. Outros indagam-se pela razão de as

entidades não fiscalizaram isso. É esse o estado de cidadania.

[5]  Não devo (no entanto) de pôr (completamente) de parte a hipótese de moer só com a água da chuva, porque em São Roque do Pico (terra de alguns

dos meus antepassados) na década de noventa garantiram-me que tal seria possível. Será? Não vi. Portanto, ainda que pouco, corria água. Um único

proprietário dispunha de três tipos de moinhos: Quando havia vento e não chovia, usava o moinho de vento; quando chovia, usava o moinho de água;

quando não havia vento nem chuva, utilizava uma atafona movida por animais. Os moinhos já não funcionavam, mas um descendente garantiu-me

isso.


[6]  O Livro de Posturas da Vila da Ribeira Grande - 14 de Abril de 1796, numa actualização de 1857, artigo segundo, mantém em aberto a

possibilidade de haver (ou de poder haver) moinhos de água na ribeira Seca: ‘ Os proprietários dos Engenhos de Moer pela força das aguas do

domínio publico, a cargo desta Câmara, feitos e a fazerem-se neste Concelho, pagarão por cada uma [sic] Moega (…) dos ditos Engenhos, que

trabalham com a água da Ribeira Grande, que não é a do mencionado encanamento, situados estes nesta Vila, Ribeira Seca, Longaia e Mãe

d’água (…).’

[7]  Sucedeu outro tanto (ou pior) à ribeira Grande.

[8]  Não serão as ruas dos Lagos e do Biscoito juntamente com o Largo de São Pedro e o fontanário bons indícios de que a ribeira Seca corria também

por ali?

[9]  Inspeccionando o terreno, creio ser mais provável que tenha corrido pela ribeira do Vilão abaixo antes de se juntar à ribeira Seca na Grota.

[10]  Numa outra parte do texto, Frutuoso repete (acerca das duas ribeiras de fogo que desceram do pico do Sapateiro): ‘Uma delas desceu pela Ribeira

Seca até o mar (…).’

[11]  É bem possível que tenha provocado uma profunda alteração no leito e no curso da ribeira. É ler o que aconteceu à ribeira Grande – sobretudo na

zona da Mãe d’água – em 9 de Agosto de 1919: Cf. [Ezequiel Moreira da Silva?], A catástrofe de sábado, Ecos do Norte, 16 de Agosto de 1916, pp. 1-

2.

[12]  Incluindo a Lomba, ia do mar ao Telhal, daí passava à Mediana e descia novamente ao mar. Integravam-na cento e sessenta fogos. A segunda, foi

o do Senhor Bom Jesus do Lugar de Rabo de Peixe, em data incerta, mas provavelmente entre meados da década de 10 e da de vinte do século XVI.

APISP, Cópia do Primeiro e Segundo Livro do Tombo da Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da Vila da Ribeira Grande, Carta da criação da

freguesia do Apóstolo São Pedro, na Ribeira Seca, de 12 de Dezembro de 1576, fls. 3-4: ‘Se erigisse e criasse de novo uma paróquia na ermida de São

Pedro para do dito Lugar da Ribeira Seca da qual fossem fregueses os moradores dele e da Lomba que são perto de cento e sessenta fogos (…)

começando da casa de Mateus Fernandes que mora no dito Lugar da Ribeira Seca junto ao mar cortando direito à casa de Ana Lopes, viúva, que vive

no Telhal ao pé da serra correndo daí à Mediana até à casa de João Rodrigues e daí outra vez ao mar até às casas de Manuel Teixeira onde se acha o

dito limite (…).’ Em 1563, diz-nos sempre Frutuoso, que ali caíra ‘uma igreja de S. Pedro e uma ermida da Madre de Deus e quase todas as casas da

Ribeira Seca.’ Repetindo-o mais adiante (e de forma igualmente clara): ‘Caiu a ermida da Madre de Deus, sem ficar pedra sobre pedra, e toda a

igreja de S. Pedro da Ribeira Seca (…) com quantas casas nele havia (…).’ Isso diz Frutuoso que presenciou dois anos depois toda a destruição, [Frei

Agostinho de Monte Alverne, que vivei mais de século depois, oferece outra versão. Diz que a lava “chegando à Ribeira Seca, à ermida de S. Pedro,

que hoje é freguesia, sem lhe fazer lesão alguma, se foi ao mar”, etc. (Crónicas da Província de S. João Evangelista das ilhas dos Açores, volume II,

pág. 333). É-me difícil perceber (tanto mais que Frutuoso nada diz a esse respeito) como foi possível em 1576 a ermida de São Pedro ter sido elevada a

paróquia quando havia sido arrasada (bem como o Lugar) em 63/64. 

[13]  Sabemos do que se passou através da crónica de Frei Agostinho de Monte Alverne (debruça-se mais sobre o que ocorreu na Vila) e da de João de

Sousa Freire (vigário de São Pedro, concentra-se no que sucedeu na Ribeira Seca). São ambos contemporâneos e testemunhas da ocorrência.

[14]  É certo que Frei Agostinho também o faz, porém, por ser uma narrativa (quase) inédita (além de ser extraordinariamente bem detalhada sobre a

Ribeira Seca) opto por esta. Digo quase inédita porque pelo menos em 1919 foi publicada pelos Ecos do Norte. Freire, Lembrança do dilúvio que

houve nesta Vila no ano de 1667, Ecos do Norte, 23 de Agosto de 1919, pp. 1-2: ‘Há 252 anos. Publicamos em seguida a descrição de uma cheia aqui

ocorrida em 1667, que mais interessante se torna pelas singulares coincidências com a que teve lugar no dia 9 do corrente. Foi extraída do Livro do

Tombo da igreja de S. Pedro da Ribeira Seca, pelo Sr. Manuel Pedro de Viveiros, que muito gentilmente nos cedeu, a fim de a publicarmos no nosso

jornal.’

[15]  ‘que ninguém se lembra ver jamais nem por tradição de homens de cem anos, e mais, se achou tal, ouvissem sucedesse jamais [diz mais acerca da

gravidade daquela do que da verdade histórica].

[16] APISP, Cópia do Primeiro e Segundo Livro do Tombo da Freguesia de S. Pedro da Ribeira Seca da Vila da Ribeira Grande, O vigário João de

Sousa Freire, Lembrança do dilúvio que houve nesta Vila o ano de 1667, 23 de Janeiro de 1668, fls. 14-15 v: ‘Na Ribeira Grande foram ao mar

algumas casas totalmente mas de pouca consideração de que não sei número certo, mas não morreu pessoa alguma de que eu tenha notícia e na

rua que do Corpo Santo vai para o mar com a redundação das águas que (h)ouve na Praça de meia rua para o mar fez uma grota tão funda de altura

de uma boa lança pouco mais, ou menos com que arruinou todas as casas que e uma e outra parte da dita rua  havia das quais foram em parte para o

mar, e uma parte de um granel em que perderam 10 moios de trigo pouco mais ou menos e nesta grota aparecerão edifícios antigos de casas, que ali

estavam soterradas, sinal de que em tempos de que não temos lembrança, ouve semelhante ou maior cheia, que soterrou aquelas casas e edifícios dos

quais estão as paredes, e por tais ao nível com as que hoje estavam, em cima quase como se a prumo os fizeram. (…) e finalmente na Ribeira Grande


levou o muro da água das freiras, que havia custado muitos cruzados, e uma ponte muito formoso que há poucos anos se havia feito (p.15) com muito

dispêndio a que chamavam a ponte das Freiras, porque dos Foros se ia por ela para as Freiras e lhe ficava vizinha, levou mais as ameias da ponte

grande da Praça, e uma casa da guarda que abaixo dela ficava, e parte dos açougues, e abaixo dos açougues junto à Câmara no baixo da dita ribeira,

descobriu o fundamento de uma ponte pequena que ali houve antigamente da qual só se sabia por tradição. Isto é em suma o que danificou este

dilúvio, e quebrou as águas dos moinhos que custarão muito se porem outra vez em caminho para o moerem porque avariou muito a ribeira: o que

fez grande confusão e opressão nesta Ilha por falta que se não moía. Isto quanto ao que passou nesta Vila.’

[17] Açoriano Oriental, 7 de Outubro de 1848.

[18]  [Ezequiel Moreira da Silva?], A catástrofe de sábado, Ecos do Norte, 16 de Agosto de 1916, p. 1.

[19]  Testemunho de Carlos Bicudo, 27 de Maio de 2024 Pelas análises, deverá ser a causa maior do estado da água do mar. Até então, o foco principal

de poluição da Areia (Monte Verde) localizava-se dentro da própria Ribeira Grande (o matadouro Municipal vazava para o Monte Verde, a Fábrica de

Lacticínios (antecessora da Bel) vazava para a Rochinha Preta, a própria Câmara vazava para a Rochinha Preta). Passou para as pastagens. As matas

hoje desleixadas e as margens da ribeira descuidadas então eram – pela necessidade das gentes -, limpas a pente fino.

[20]  Açoriano Oriental 2 de Outubro de 1998.

[21]  Correio dos Açores, 3 de Fevereiro de 2004.

[22]  Diário dos Açores, 1 de Março de 2013. Açoriano Oriental, 1 de Março de 2013. ‘Das quatro famílias desalojadas (duas na Ribeira Seca, uma na

Ribeira Grande [Persiste a confusão: a Ribeira Seca é Cidade tanto como a Matriz] (…) só na Ribeira Grande não foi alojada em casa de familiares.’

[23]  Açoriano Oriental, 1 de Março de 2013.

[24]  ‘O presidente da Câmara, Ricardo Silva, eleito pelo PS, da mesma cor do Governo da Região, sem responder à questão, informa que tinha estado

reunido com o Director Regional da Habitação e que ficara decidido uma solução para ‘o desalojamento dos agregados familiares da Rua Nova e da

Rua da Mãe de Deus. O IDSA – Instituto para Desenvolvimento Social dos Açores – iria articular com as famílias a concessão dos equipamentos mais

necessários às famílias que tudo perderam no seguimento das cheias.’

[25]  Testemunho de José Gouveia, 9 de Agosto de 2024: Assim se compreende os meios dados a quem quisesse (não sei se ainda é assim) fazer

cumprir a lei (lei para inglês ver!): ‘mais para fazer um penso rápido ao mal causado (nessas alturas chegava a haver mais de duzentos homens) e

menos à sua prevenção (normalmente uns 20 homens.’

[26]  O Ministério Público que investigue, terão feito um favor a dois ou três: ‘como é que teriam autorização para terem vacas ali se não fosse por um

grande jeito de cima?’ Ou ‘porque é que as descargas domésticas continuam? Alguém fecha os olhos.’

[27]  Desde 2003, os Recursos Hídricos, garantiu-me hoje Raquel Cymbron, são feitas análises em três pontos da ribeira Grande: 1 - Na zona

Rosário/Lombadas; 2- Confluência Pernada – Ribeira do Teixeira; 3 – Zona urbana. Na 2, produtos das vacarias, a que se junta na 3 o dos afluentes

domésticos. Não são feitas análises à ribeira Seca.

[28]  João Paz, Já se pode ir a banhos na baia do porto da Maia porque as águas estão dentro dos parâmetros normais, Correio dos Açores, 8 de Agosto,

p. 4.

[29]  João Paz, Já se pode ir a banhos na baia do porto da Maia porque as águas estão dentro dos parâmetros normais, Correio dos Açores, 8 de Agosto,

p. 4. Se ‘alguém for ao SNIR, não tem quaisquer dados relativos aos Açores. Mesmo indo aos sítios da internet do próprio Governo Regional dos

Açores diz-se que deve ser consultado o Sistema Nacional, ou então, estão presentes análises do ano passado”, disse Francisco Ferreira, da

Associação Zero, à Antena 1 Açores.’

[30]  Testemunho de Raquel Cymbron, 12 de Agosto de 2024.

[31]  Ana Carvalho de Melo, A Figura: entrevista a Teófilo de Braga, Açores, Magazine, 28 de Julho de 2024, pp. 4-5. Açoriano Oriental, 30 de Julho

de 2024, p. 5: ‘Novo POOC de São Miguel mais rigoroso na definição do risco. Está em discussão pública até 3 de Setembro. Documento é mais

rigoroso na definição das zonas de risco onde se pode ou não construir. [Que plano diz onde e não fazer pasto ou a cultura que se adequa? Não é o

POOC]. Discussão pública dia 19 de Agosto, RGE, Escola Básica Integrada da RG 18 horas. Estive a estudar a proposta colocada on-line, a minha


opinião é uma pergunta: como controlar os riscos costeiros não controlando os riscos das ribeiras? A solução seria o POOC alargar-se às bacias

hidrográficas. A plantação de árvores é assunto velho de mais de três séculos. Veja-se vereação da Câmara da Ribeira Grande de 1604: Arquivo

Municipal da Ribeira Grande, Acordans de 1604 a 1605, [30/06/1604]: ‘(…) As pessoas que fizessem terras ao longo da ribeira e plantassem certas

arvores (…).’ Em 1619, de novo: ‘Termo de como se mandaram e plantaram as faias ao longo da r.ª Gramde na forma da corejsam (…).’ Cf. Arquivo

da Câmara Municipal da Ribeira Grande, Acordãos de 1617 a 1622, [v. da 90].

[32]  Intriga-me que as associações ambientais locais não se mexam!!

[33]  Um projecto do qual eu faço parte como consultor de História. https://www.cm-ribeiragrande.pt/camara-da-ribeira-grande-apresenta-projeto-para-

requalificar-a-ribeira 1 de Julho de 2021. O Presidente (recandidato) havia pedido ideias ao arquitecto Nuno Malato (arquitecto residente na Cidade da

Ribeira Grande). Que, em Junho, a Região passou para as mãos da Câmara. Cf. Correio dos Açores, 14 de Junho de 2024:

‘actividades e projectos ligados à educação, ensino e formação profissional, património, cultura e ciência, tempos livres, desporto e saúde (…).

Como contrapartida, “obriga-se a assegurar a disponibilização de um espaço edificado, para utilização, pelos serviços da Administração Pública

Regional.


M.Moura

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